4 de Março de 2016 às 06:19

Viver Tem Sido Um Ofício Bom...

Antes de mais nada, buscando a companhia de gente simples, e querendo ser mais gentil comigo mesmo, continuo produtivo, esperançoso, aguerrido e feliz...

Vez por outra,  lanço um  olhar sobre minha sinuosa trilha de vida. È quando  respiro fundo, em busca de leveza e aproveito para reiterar  minhas convicções e valores. Depois dos 50, a vida, tem nova tonalidade, novo ritmo, novas perspectivas. Nada é por acaso, tudo é aprendizado e processo. Por dentro e por fora,  mudo eu; muda o mundo. Noto que ritos de passagem, vão ficando mais freqüentes. As dores demoram mais a sair do peito. Hoje passo muito mal  quando perco um parente ou amigo.  Aquilo me dói por dias a fio. Perdas fazem parte de minha agenda. Não era assim. O tempo é verdugo inclemente, com ele  não tem perdão. É bicho doido na ribanceira. Por mais que lute, o menino da “Barra do Salitre” vai se perdendo  em névoa densa , já de difícil vislumbre.

Antes de mais nada, buscando a companhia de gente simples, e querendo ser mais gentil comigo mesmo, continuo produtivo, esperançoso, aguerrido e feliz. Por falar em felicidade, dizem que ela  é uma combinação do presente com o passado. Só que o presente dura tão  pouco, mas tão pouco. Para ser mais exato: 03 segundos. Pesquisadores, afirmam  que  a cada 03 segundos,  ele, o tempo,  se torna passado. A grande sacada   é,  em que se apegar e do que se desapegar. Li, sei lá onde que os índios da tribo Dakota passam de geração a geração o seguinte ensinamento: “Quando você descobre que está montando um cavalo morto, a melhor estratégia é desmontar”. Ninguém está dizendo que é fácil dominar a arte de  dar as costas. Desapegar é dolorido.  Existe o tempo útil das coisas que a vida nos empresta... Preciso desta sabedoria. Preciso desta compreensão serena.

Se o presente é fugaz, não temos controle sobre o passado, o que dizer sobre o futuro. Para ilustrar, quer ver um sabor amargo do  tal “tarde de mais”? Relembro aqui o caso  daquele  brasileiro executado lá na Indonésia no princípio de 2015: Meu sonho é sair daqui, voltar para o Brasil e expor meu problema para os jovens que estão pensando em se envolver com drogas (...) Quero voltar para o meu país, pedir perdão a toda a minha nação e ensinar para os jovens que a droga só leva a dois caminhos: ou a prisão ou à morte”. Pobre coitado. Não deu para ele. Não se negocia, nestes termos com o futuro.

Nesta altura da vida desejo ser mais humano, empático e solidário. Garimpo por aí  o que me faz sentir um ser melhor. Há pouco li um exemplo de solidariedade que lacrimejou meu olhar. No Teatro Glauce Rocha, em Campo Grande, MS,  os rapazes de uma turma de formandos, em Engenharia Ambiental,  emocionaram os convidados ao aparecerem carecas na cerimônia de colação de grau. Era uma homenagem surpresa ao colega também sem cabelos, mas por consequência de uma  quimioterapia.  Jaito Mazutti Michel, 24 anos, descobriu um tumor maligno no joelho. As aulas na faculdade já haviam terminado e só quando os colegas se reuniram para o ensaio da formatura confirmaram a doença e decidiu homenageá-lo, sem que ele soubesse.  Na noite do  evento,  o impacto com a entrada dos colegas sem cabelo ao chamado do cerimonial. Todos com sorriso aberto para Jaito, que retribuiu no mesmo tom e com serenidade. No discurso, a voz faltou várias vezes, mas a oradora da turma, conseguiu dizer que “quando nossos filhos, no futuro, assistirem ao clipe e perguntarem porque todos estavam carecas, vamos dizer que foi  para um amigo se sentir melhor, fazemos qualquer coisa”.

 “O Velho e o Mar” foi um dos últimos livros do escritor americano, Ernest Hemingway. Alguns o consideram sua obra-prima, pois lhe rendeu o prêmio Pullitzer e foi decisivo para que o autor ganhasse o Prêmio Nobel. Com uma narrativa simples, Hemingway conta a história de Santiago, um cubano que se sentiu desafiado a voltar a pescar aos 84 anos de idade. Como passara a vida no mar, o velho queria provar seu vigor aos mais jovens. E como era conhecedor dos segredos do ofício, Santiago lançou-se numa empreitada audaciosa: fisgar o maior peixe de sua vida. Não foi fácil. Depois de amargar dias sem comer, quase cego pelo sol, finalmente pegou um peixe de mais de cinco metros. A batalha foi renhida, mas o velho perseverou e venceu. Amarrou o peixe morto no lado do barco e iniciou seu retorno. A volta, porém, foi decepcionante. Tubarões atacaram e comeram seu troféu – no caso, o peixe. Quando Santiago finalmente chegou na praia, só tinha um esqueleto para mostrar aos jovens. Seu projeto de vida havia se reduzido a nada.

“O Velho e o Mar” tornou-se um sucesso porque identificava o sentimento daqueles que chegam ao fim da vida carregando pesadamente nas costas a carcaça do objeto pelo qual batalharam a vida toda.

A história do  pescador de Hemingway, liga o sinal de  alerta. Nada mais desalentador do que chegar na outra margem da vida de mãos vazias.

Existir é estar lançado num universo de possibilidades, das quais sou impelido a escolher algumas, descartar outras e sem a certeza de que estou fazendo a escolha certa. Lá no final se vê o conjunto da obra. Como  aprendo com o escritor Rubem Alves. Ao falecer em 19/07/2014, deixou, um documento escrito, com uma síntese  tocante:  “Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.” Gostaria tanto de ter a fronte erguida desse jeito lá  no final dos meus dias.

É verdade que  preciso administrar melhor o meu tempo e compromissos. Em meu trabalho, acostumei com uma rotina pesada. Onde cada vez mais  se exige vigor físico, determinação, produtividade, perfeição, agilidade e paciência. Mesmo fustigado este por este cansaço físico, não posso, contudo, empurrar alguns sonhos com a barriga. Lá vem o poente da existência. Ainda quero tanto. Ainda quero visitar  Inhotim, numa primavera. Ainda quero tomar uma taça de vinho apreciando as colinas da Toscana. Ainda não curti a Aurora Boreal lá na Suécia. Ainda vou conhecer a Biblioteca da Universidade de Coimbra, em Portugal.

Se Deus me chamasse agora iria fazendo beicinho. Ainda quero, numa manhã destas, ir de trem de Belo Horizonte a Vitória. Preciso de muitas tardes e manhãs perfumadas para ficar  aos pés dos mestres,  Fernando Pessoa, Mário Quintana, Manuel de Barros, Drummond,  Machado de Assis, Manuel de Barros, Jorge Luiz Borges, Graciliano Ramos, Clarisse Lispector, Guimarães Rosa, Thiago de Mello, Fabrício Carpinejar, Affonso Romano de Sant'Anna , Rubem Braga, Adélia Prado.

No caminho do berço ao túmulo, sei que estou mais próximo do segundo. Nesta perspectiva, em tom de prece, atesto para todos os fins que viver tem sido um ofício bom. Devo saudar cada amanhecer como um prêmio singular e cada final de tarde, como dádiva única de Deus.

Se me permitem seguirei com o velho imperativo da mestra: “Nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas". (Cora Coralina)