16 de Março de 2015 às 19:10

Uma crônica para Luluca (Jussara de Queiroz)

Apavorada com a falta de de ar que ela estava sentindo, convidei a Fernanda, a Takai, para me ajudar. Liguei o som e cantamos muito, as duas, acalentando o sonho da Luluca...

 JUSSARA QUEIROZ   

E como me sinto honrado em publicar esta crônica de JUSSARA QUEIROZ. Quem não a conheçe: É patrocinense, há muito radicada em Beagá,  acadêmica da Academia Patrocinense de Letras, assinou no Jornal de Patrocínio, por dezesseis  anos a apreciadíssima, coluna, "Catavento". É jornalista, publicitária e escritora premiada. O  livro de sua autoria "Voo Rasante"  foi agraciado  com  Prêmio Cultural  BDMG de Literatura. Artigos seus publicado no Jornal Estado de Minas, foram  lidos e elogiados em todos os quadrantes de Minas. Jussara, é proprietária da  conceituada  Agência Pauta, em Belo Horizonte. Atualmente, é  uma das autoras do belo  projeto “Livro de Graça na Praça”. Mas, vê se pode! nossa maior cronista, havia parado de escrever crônicas! Agora, a  nosso pedido, sempre que possivel, vai enviar- nos crônicas, como esta. Publicaremos aqui para que os leitores/admiradores de seu trabalho,  como nós, matemos  a saudade. (E como me sinto honrado em publicar suas crônicas.) Quem perdeu aquele bichinho que tanto amava, vai se identificar com ela:

 

"UMA CRÔNICA PARA LULUCA

 *Jussara Queiroz  

Nos últimos 20 dias, olho para o céu todas as noites, procurando a Luluca, meu anjo de quatro  patas, que virou estrela. A despeito da busca contínua e desesperada, ainda não a encontrei. Talvez esteja perambulando pelo céu, sem descobrir o lugar certo onde eu posa acompanhá ­la daqui. Morreu a minha Luluca, uma labrador linda e gigante, numa tarde de quarta­-feira. Já não estava bem, vínhamos pelejando muito.Tive de sair  e, quando voltei, já  estava agonizando. Ainda me reconheceu e abanou a cauda, sabendo que, na minha presença, a morte  lhe  seria  um  pouco  menos cruel. Abraçada  a  ela, cantei  para  ela “dormir”. Demorou demais a pegar no sono, de onde não sairá nunca mais. Apavorada com a falta de ar que ela estava sentindo, convidei a Fernanda, a Takai, para me ajudar. Liguei o som e cantamos muito, as duas, acalentando o sonho da Luluca. 

Morta,  foi “plantada” aqui em casa, na grande área externa  onde costumava brincar entre a mata. De onde estou, vejo o lugar todas as manhãs. O sol entra por entre as árvores e faz brotar plantinhas rasteiras sobre ela, em que sobrevoam borboletas azuis. Daqui a pouco, vou fincar na cova um ipê amarelo. E Luluca ficará para sempre dona deste lugar.

Perdoe-me, leitor, não devia estar contando essas coisas tão tristes e tão íntimas, mas cronista é um bicho bobo, não sabe se esconder entre as palavras, tem pouco pendor para o fingimento, transpira as mãos e abre as portas do coração, convidando a todos para   entrar.  Entrega-­se   totalmente, nu  e sem  pudor,  exibicionista  de  seus próprios sentimentos. Lamento muito, que se há de fazer?

Depois de tanto tempo sem escrever crônica, sei que não é justo aproveitar a primeira oportunidade para expurgar a minha dor. Deveria estar falando aqui sobre a alegria do retorno, sobre crônica que vai se fazendo de forma sinuosa e claudicante, mas com forte vontade de abraçar o leitor.  Além do mais, sei que o momento é impróprio para destilar dores pessoais, uma vez que as coletivas pipocam por todos os lados, assombrando todo mundo, independentemente de credo, raça, idade, sexo, condição sócio­-econômica.

Você há de concordar comigo. Basta ligar a tevê ou abrir o jornal para sermos agredidos por   gente  safada, inescrupulosa e desonesta, que  nos  ridiculariza  todos  os dias. Igualando-nos à condição de vira-­latas, os gostosões do pedaço dão pontapés em nossos traseiros, certos de que, com o rabo entre as pernas, não fazemos alarido. Fingem não saber que, por detrás de cada animal dessa espécie, há uma história, uma personalidade e muitos sonhos. 

Pois bem, leitor amigo, de certa forma, a predestinação me consola: partiu minha doce e ingênua Luluca seem saber que nos transformaram em vira­latas. Ou nem vira-­latas nem nada."