Quem nasceu e cresceu no campo sabe: a rotina da agricultura familiar começa cedo. Muitas crianças ajudam a plantar, colher, alimentar animais e realizar tarefas essenciais para manter a produção e o sustento da família. Ao chegar a hora de se aposentar, surge a pergunta: esse período conta como tempo de contribuição? A resposta é sim — desde que bem comprovado. E aqui começa o principal desafio.
As cortes superiores — Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) — firmaram, nos últimos anos, um entendimento protetivo: o trabalho rural exercido na infância pode ser averbado para fins previdenciários, inclusive antes dos 12 anos, desde que haja prova idônea. Essa leitura se harmoniza com os arts. 7º e 227 da Constituição, que impõem proteção integral à criança e ao adolescente sem, contudo, desconsiderar a realidade do meio rural brasileiro.
Apesar disso, na prática forense ainda vemos decisões que, por vias indiretas, acabam negando a averbação. São comuns três obstáculos: (i) o argumento de que a criança não teria “força física” suficiente; (ii) a ideia de que o auxílio prestado seria “dispensável” ao sustento do grupo familiar; e (iii) a conclusão de que, por frequentar a escola, a criança não poderia trabalhar de modo relevante. Esses raciocínios, generalistas e descolados da realidade do campo, acabam anulando a efetividade do entendimento dos tribunais superiores.
É preciso lembrar o óbvio: na economia familiar, ninguém “ajuda por hobby”. Quando toda a família vive da roça, o resultado depende da soma de esforços — inclusive das crianças, que realizam tarefas compatíveis com sua idade e capacidade. Descrever essa dinâmica, com precisão, é decisivo para convencer o julgador.
Como comprovar o trabalho rural infantil (o que funciona na prática):
• Reúna um bom início de prova material, ainda que em nome de terceiros (pais, irmãos). Documentos como certidões, notas de produtor, cadastro de imóvel rural, blocos de notas, comprovantes de venda e declarações de sindicatos costumam ajudar.
• Construa uma prova testemunhal minuciosa: o que a criança fazia, em que época do ano, em que propriedade, qual o tamanho da área, quais culturas, que maquinário havia, como era a divisão das tarefas entre os membros da família.
• Conte a história do grupo familiar: de onde vinha a renda, se havia empregados, diaristas ou maquinário, se a atividade escolar convivia com a lida — e como.
• Aja estrategicamente no processo: se necessário, leve memoriais, faça sustentação oral e despache para destacar por que, naquele caso concreto, o labor infantil foi real, útil e indispensável ao sustento da família.
Do ponto de vista jurídico, não existe uma “idade mínima” automática que invalide o período trabalhado na infância. O que há é a necessidade de prova consistente, somando documentos e testemunhas. Quando esse conjunto demonstra que a família vivia da agricultura e que a criança participava da rotina produtiva, o tempo deve ser reconhecido e averbado.
Importante: o foco não é romantizar o trabalho infantil — que deve ser combatido —, mas evitar a punição dupla de quem teve a infância abreviada e, ao se aposentar, vê esse esforço ser desconsiderado. O direito previdenciário existe para proteger trajetórias reais, e a do trabalhador do campo é, muitas vezes, marcada pelo início precoce da lida.
Concluindo: é possível averbar o trabalho rural na infância. Com uma produção probatória cuidadosa e uma narrativa coerente com a realidade da agricultura familiar, a Justiça tem reconhecido esse direito. Se você trabalhou no campo quando criança e hoje busca sua aposentadoria, procure orientação especializada: cada detalhe da sua história pode fazer diferença na concessão do benefício.
Para aprofundar este tema e conhecer outros direitos, acompanhe meu canal no YouTube (ADVOGADA ADRIELLI CUNHA). Assino este artigo com a leveza — e a força — da minha marca pessoal, a Advogada de Tênis, que acredita em informação clara e acessível para transformar vidas.