O voo da águia
(Uma crônica pertinente, altaneira e saborosa, autoria de Maria Imaculada Machado*):
Há tempos li um livro intitulado “A águia e a galinha” de autoria de Leonardo Boff, filósofo, professor de teologia, espiritualidade e ecologia, cujo tema, profundamente filosófico, se desenrola e se desenvolve a partir de uma história contada ao povo ganense por James Aggrey, político e educador daquele país africano.
A história em resumo é a seguinte: um camponês foi à floresta aprisionar um pássaro para criá-lo em cativeiro. Conseguiu pegar um filhote de águia, colocou-o no seu galinheiro e a ave passou a viver ali, ciscando e comendo milho com as galinhas. Certo dia o camponês recebeu a visita de um naturalista, que ao ver a ave, constatou que esta era, de fato, um filhote de águia. E porque águia, um dia voaria.
O teimoso camponês sempre dizia que o filhote, criado como galinha, já virara galinha e assim jamais voaria. Entretanto, atendendo à insistência do naturalista, tentou várias vezes fazer o pássaro voar. Este, trêmulo de medo, sempre voltava ao galinheiro e continuava a viver como se galinha fosse.
O tempo passou, a ave cresceu e suas asas se tornaram fortes e vigorosas. Então, e pela última vez, o camponês resolveu testar a águia. Para tanto, segurou-a firmemente, colocando-a em direção do sol para que pudesse ver a claridade do astro e a imensidão do horizonte. Aí aconteceu o inesperado: a ave olhou o céu, abriu suas potentes asas, e altaneira, alçou voo e “voou, voou até confundir-se com o azul do firmamento”...
Com esta história Aggrey pretendia despertar a consciência de seu povo pobre, explorado, oprimido e discriminado pelo colonizador inglês, alertando-o para o fato de que todo homem, sem exceção, fora criado à imagem e semelhança de Deus. Por esta razão, seria uma águia, embora o colonizador tentasse fazê-lo pensar e agir como se galinha fosse. E, exatamente porque águia, homem algum deveria se contentar com os grãos jogados a seus pés para ciscar.
Esta elucidativa história tem muito a ver com a situação desesperadora que enfrentamos hoje em nosso país. Fomos trapaceados, ultrajados, subestimados, humilhados e empobrecidos por este governo corrupto que aí está. As tramas maquiavélicas engendradas para surrupiar o dinheiro público, o nosso dinheiro, jogaram o país num buraco. E ao que tudo indica ninguém sabe como tirá-lo dali. O Brasil de hoje é uma nação desgovernada, desesperançada, tal qual nau sem rumo navegando à deriva num mar de lama. Os governantes e seus comparsas fizeram o que fizeram e mandaram a conta para o povo brasileiro. Estamos literalmente “pagando o pato” pela vergonhosa roubalheira.
Mas, ainda há esperança. As eleições virão. E, quando isto ocorrer, sejamos águias e não submissas galinhas vivendo num terreiro qualquer onde lhes são jogados parcos grãos para ciscar. Exercitemos nossa cidadania. Sejamos cuidadosos na escolha de nossos candidatos. Embora descrentes, votemos. O voto consciente é o único meio pacífico e democrático capaz de mudar os rumos da política e, na esteira desta, o destino do país. Votemos e votemos até chegarmos a um acerto, pois quando o caos se instala a mudança urge. Neste contexto, pertinente o pensamento arguto e certeiro de Eça de Queiroz que há dois séculos já predizia: “ Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente pela mesma razão”.
*Maria Imaculada Machado (Foto) é patrocinense, foi professora em várias escolas de Patrocínio e de Belo Horizonte, atualmente é advogada.